Ho, Ho, Ho
Conforme prometido ontem, o Lanceiro inicia aqui uma espécie de retrospectiva – ou não, já que eu não vou escrever sobre os melhores livros já comentados neste weblog, e sim sobre todos os livros que recebi nos últimos tempos e que, por um motivo ou outro, acabei não comentando. Mea culpa, que pretendo resolver durante esta semana – e um site próprio está definitivamente nos meus planos para 2002, aguardem.
Mas falemos de Almandrade.
o saber utilizado pelo olhar
Textos Sobre Arte
Almandrade
Museu de Arte Moderna da Bahia
2000
32 páginas
“Não temos outra maneira de saber o que é um quadro ou coisa senão olhá-los, e a significação deles só se revela se nós os olhamos de certo ponto de vista. De uma certa distância e em um certo sentido; em uma palavra, se colocamos nossa conivência com o mundo a serviço do espetáculo.”
O parágrafo acima, uma citação de Merleau-Ponty retirada do ensaio A obra de arte e o espectador, traduz muito bem o pensamento de Almandrade. Sua afinidade com o autor da Fenomenologia da Percepção reside na preocupação com o olhar de quem vê a obra de arte, e sua interpretação muito particular, que nunca é a mesma do artista, e que provavelmente – como o rio de Heráclito – não será a mesma sequer para o próprio espectador em uma segunda mirada.
Difícil dizer qual o melhor texto da coletânea Textos Sobre Arte, publicada pelo Museu de Arte Moderna da Bahia como parte da comemoração de seus 40 anos. Reunindo ensaios e críticas do arquiteto e artista plástico Almandrade (Antônio Luiz M. Andrade), a coletânea é um biscoito fino para neófitos e iniciados, para quem gosta muito de arte e até para quem nem tanto: mais do que libelos à arte, os textos deste baiano da geração 70 (não por acaso, um dos criadores do Grupo de Estudos da Linguagem da Bahia, que editou a revista “Semiótica”, em 1974) são pequenas pérolas, bolinhas levantadas na grande área da arte contemporânea que ele próprio chuta com precisão para o gol.
São dez textos: além do citado acima, o destaque (vale dizer que é um destaque pessoal e intransferível, fruto do olhar deste que vos escreve) vai para A obra de arte e sua leitura, Arte contemporânea, A arte e a trama da linguagem e Hélio Oiticica – Liberdade Marginal.
Complementando o livro, dois textos ótimos de Almandrade podem ser encontrados na revista digital [Mão Única?], editada por Jorge Rocha: em O centro histórico e a memória da cidade , Almandrade fala do centro histórico como um conceito, sem se referir a esta ou aquela cidade, citando a importância de um resgate do passado que não seja apenas nostalgia, mas uma readaptação “às novas funções da cidade contemporânea.”
Já em Um breve depoimento, ele retoma os temas dos Textos sobre arte e alerta: uma obra encerra múltiplas possibilidade de indagação. Recriamos as imagens em nossa percepção, e as modificamos subjetivamente de acordo com nossa experiência de vida. Almandrade explica o conceito por trás da criação de suas pinturas e esculturas, ilustrando sua opção pelos pequenos formatos com dois de seus poemas. Que belo presente a Internet nos deu: uma rara oportunidade de travarmos contato real com um artista que se expõe por completo. A arquitetura de Almandrade pode ser de algodão, mas quanta solidez!
Em tempo: mais sobre Almandrade pode ser encontrado no próprio site do artista. Poemas e imagens rápidas e nem um pouco rasteiras num site curto e finíssimo. Curtam. Vale a viagem.
E, last but not least, Feliz Natal a todos nós.