O que é que Nick Hornby tem?
Se perguntarem a um pós-moderno que se preza quem é o seu autor predileto, nove entre dez vão responder Nick Hornby. Mas o que é que esse escritor inglês de 41 anos tem que mexe tanto com a sensibilidade das novas gerações? Se você ainda não leu nenhum dos livros dele, o Lanceiro Livros publica a seguir alguns comentários sobre a obra de Hornby publicada até o momento no Brasil e explica por que ele deve ser lido.
Alta Fidelidade
Editora Rocco
260 páginas
Alta Fidelidade foi o livro que marcou os pós-modernos da década de 1990. Talvez porque tenha um tom confessional, bastante adolescente em essência – um Werther irônico, que não tem o sofrimento mental suficiente para se matar nem a angústia em excesso para tomar uma atitude real – mas que, apesar da relativa inércia, efetivamente algo, ainda que nos recessos de sua mente – é a cosa mentale de que falava Leonardo da Vinci, mas com um efeito que o velho mestre definitivamente não esperaria. Contando a história de Rob Fleming, um sujeito de 35 anos mas que estacionou mentalmente por volta dos 16, para desespero de sua ex-mulher e seu próprio, Hornby introduziu um frescor narrativo que não se via desde Abaixo de Zero, de Bret Easton Ellis, um dos ícones literários da geração 80.
A grande diferença de Hornby está no humor. O que tinha tudo para ser mais um livro existencialista cheio de lamúrias do tipo ninguém me ama/ ninguém me quer/ninguém me chama de Baudelaire acaba se mostrando justamente o contrário, graças à incrível obsessão de Fleming por música (mas só se for em discos de vinil – não é por outro motivo que ele acabou se tornando proprietário de uma loja de LPs) e por incríveis listas de top five. A introdução do livro fala por si:
Em ordem cronológica, minhas separações mais memoráveis, as favoritas, as cinco que eu levaria para uma ilha deserta:
1) Alison Ashworth
2) Penny Hardwick
3) Jackie Allen
4) Charlie Nicholson
5) Sarah Kendrew.
Essas foram as que doeram de verdade. Está vendo o seu nome nesta lista, Laura?
E este é só o começo de um ácido porém muito divertido confessional que envolve a vida amorosa de Fleming e como a música entra nela – ou, melhor dizendo, como as mulheres de Fleming entram na vida musical dele.
Publicado em 1995 na Inglaterra e aqui em 1999, o livro ganhou uma versão para a telona no ano passado, pelas mãos de Stephen Frears (Os Imorais). Frears ambientou a história nos EUA, mas isso não alterou em nada a intenção de Hornby – e ainda nos deu uma excelente interpretação de John Cusack como Rob Fleming, além de, claro, uma grande trilha sonora com a qual acompanhar a leitura de Alta Fidelidade.
Um Grande Garoto
Editora Rocco
267 páginas
Mas foi com Um Grande Garoto que Nick Hornby obteve a consagração literária. Publicado em 1998 na Inglaterra e aqui em 2000, é um livro que mostra claramente que Hornby não é um escritor que aceite rótulos com facilidade. Longe do sarcasmo de Alta Fidelidade, ainda que salpicado aqui e ali com o indefectível humor britânico, Um Grande Garoto é uma história mais densa e séria, que fala de amor e morte. Will Freeman é um homem que tem tudo o que quer graças a uma herança deixada pelo pai. Tudo, menos o amor. Mas engana-se quem pensa que é mais um clichê. Neste livro, o humor se manifesta sob a forma de uma pergunta: como Freeman, que nunca precisou trabalhar nem estudar, pode se apresentar como alguém interessante para as mulheres que quer conquistar?
A resposta é mentir. E Freeman começa a criar uma vida paralela, inventando um divórcio e um filho inexistentes para conquistar mulheres separadas que, em sua opinião, são mais interessantes porque nem sempre estão necessariamente a fim de um compromisso. Mas é aí que começam seus problemas, na figura do jovem Marcus. Filho de uma mãe depressiva que tenta o suicídio e de um pai distante e indiferente, Marcus é o típico nerd, que vive enfurnado nos livros e é maltratado pelos colegas da escola. Freeman acaba se transformando lentamente no pai que o garoto não tem.
A relação não tem nada de açucarada ou moralista: é a contragosto que Freeman vai se envolvendo no universo de Marcus, mas depois de muitos desencontros e falhas de comunicação, ambos percebem que podem realmente ajudar um ao outro, não porque seja a coisa certa a se fazer, mas simplesmente porque um tem algo que falta ao outro. Freeman tem a desinibição e um conhecimento das coisas mundanas que o adolescente Marcus nem desconfia; por sua vez, o garoto de 13 anos faz com que Freeman aprenda a ser simplesmente ele próprio, sem a confusão que as mentiras trazem. Mas ambos passam por experiências difíceis até chegarem a essa conclusão.
Um Grande Garoto é um grande livro: visceral sem ser sangrento, realista sem ser violento, comovente sem ser piegas.
Febre de Bola
Editora Rocco
245 páginas
Apesar de ter sido seu livro de estréia, Febre de Bola foi o mais recente livro de Hornby publicado no Brasil. E é através dele que ficamos por dentro de quem Nick Hornby realmente é, e por que escreve do jeito que escreve.
Descrito pela editora como um “ensaio memorialístico”, este livro é bem mais do que isso: é a autêntica história de um torcedor típico de futebol inglês. Por típico, por favor, que não se pense nos hooligans, abominados por Hornby... embora a ele também não agrade o comportamento pseudo-antropológico da mídia, que insiste em juntar todos os torcedores no mesmo caldeirão. Hornby é tão torcedor do Arsenal quanto Nélson Rodrigues era torcedor do Fluminense: um apaixonado, que vai a todos os jogos possíveis, mesmo quando o time está na pior fase, mesmo quando ele tem certeza de que vai presenciar uma derrota.
A incomparável ironia de Nelson é contrabalançada em Hornby por uma necessidade profunda de auto-análise: e se Woody Allen fosse torcedor fanático de futebol? Não seria a mesma coisa que Hornby, mas chegaria perto. Mesmo não entendendo o universo do futebol inglês, o leitor brasileiro tem muito o que curtir da prosa franca, honesta e direta de Hornby nesse livro que abre seu coração e foi o início de uma carreira literária de sucesso, que consegue misturar com sucesso ficção e confissão, com tesão de viver. O pós-modernismo dele não é coisa de poseur.
A angústia pós-adolescente de Hornby ainda presenteou o público brasileiro com um bônus inesperado, na forma de novos autores nacionais: a nova geração de escritores que está surgindo neste início de século parece estar em grande parte voltada para as “confissões de adultescente” de Hornby, como os livros recém-lançados dos gaúchos Daniel Galera e Daniel Pelizzari pela editora Livros do Mal e os contos que o também gaúcho (mas radicado em São Paulo) André Takeda publica em sua interessante revista eletrônica TXT Magazine. Takeda também está lançando em breve seu livro O Clube dos Corações Solitários (Editora Conrad), e assume a influência de Hornby em seus escritos, como diversos dos autores que ele publica na TXT.
Mas um lembrete para os que desconfiam de rótulos: Nick Hornby não é bom porque é pós-moderno. Ele é bom porque é divertido, e seus livros são gostosos de ler. Valem muito a pena. Hornby está definitivamente na minha lista dos top five.