18.10.01

É Primavera

Neste fim de semana o Rio vai ser uma festa para quem gosta de ler: a famosa Tribuna C do Jockey Club Brasileiro, na Gávea (onde é realizada a Babilônia Feira Hype) vai realizar a Primavera dos Livros. O evento, considerado uma alternativa à Bienal do Livro, reunirá nada menos que 56 editoras (Casa da Palavra, Ateliê Editorial, Relume-Dumará, Cosac & Naify, 34 e Estação Liberdade, entre outras) para discutir a situação do mercado e garantir uma visibilidade maior do que a da Bienal.

Amanhã, dia 19, o evento será um fórum fechado para profissionais do mercado editorial, em que serão discutidas questões relacionadas à política de aquisição de livros pelo Governo, à produção, distribuição, comercialização e à formação de cooperativas e associações de pequenas e médias editoras. No sábado, 20, e domingo, 21, a feira será aberta ao público, das 10h às 22h.
Haverá descontos de 20% a 40% sobre o preço dos livros e uma série de eventos.

Programação do fim de semana

Os eventos promovidos durante a Primavera dos Livros têm como objetivo aproximar o leitor do livro e dos editores. Todas as atividades terão como temas a relação leitor com o objeto livro, a leitura e a formação de novos leitores. Três espaços cumprirão esse papel: a Arena Shakespeareana, destinado aos adultos, o Espaço Infantil Biblioteca, para as crianças e o Espaço Mão na Massa, com oficinas para crianças e adultos. Abaixo, a programação da Arena Shakespeareana:

SÁBADO, 20/10

11h
Verdades e mentiras na formação do leitor

Mediadora: Graça Lima (ilustradora)
Convidados: Roger Mello (Manati), Eliane Yunes (professora da PUC-RJ) e Alberto Goldin (Berlendis & Vertecchia)
Pauta: perfil do leitor infantil atual, como atrair este público para o livro em épocas de videogames.
Público direcionado: professores, bibliotecários.

14h
Qual o impacto dos atentados nos EUA sobre a política mundial no futuro próximo?

Mediador: César Benjamin (editor da Contraponto)
Convidados: Wanderley Guilherme dos Santos (Editora da UFRJ), Luis Fernandes (Mauad), Paulo Anthero Barbosa (Beca)
Pauta: Situação internacional: a crise nos EUA.

16h
E a Arte na Mídia? Considerações sobre a importância da arte brasileira na imprensa nacional

Mediador: Max Perlingeiro (editor da Pinakotheke)
Convidados: Nelson Felix (Cosac & Naify e Casa da Palavra), Jacob Klintowitz (Pinakotheke), Ricardo Basbaum (Contracapa), Luis Camilo Osório (Cosac & Naify)
Pauta: o livro de arte, dificuldades de publicação e divulgação destas obras, o aumento na produção e a procura.

19h
Música nos livros: meandros de pesquisa e produção
Mediador: Egeu Laus (editora Beca)
Convidados: Carlos Monte (Manati), Marcelo Câmara (Mauad), Eduardo Seincman (Via Lettera), Marília Barbosa (diretora do MIS), Henrique Cazes (Editora 34), Sérgio Cabral (Lumiar)
Pauta: pesquisadores acadêmicos e não-acadêmicos

DOMINGO, 21/10

11h30
Quadrinhos: literatura das imagens

Mediador: Jotapê Martins (Ed. Via Lettera)
Convidados: Caco Xavier (Via Lettera), Marcelo Gaú (ed. Conrad), Fábio Moon (ed. Via Lettera), Gabriel Bá (ed. Via Lettera)

14h30m
Novos autores, novas narrativas?

Mediador: Ítalo Moriconi
Convidados: Luiz Ruffato (Boitempo), Cristiane Costa (Idéias/JB), Nelson de Oliveira (Ateliê Editorial), Luiz Marra (Hedra)
Pauta: Esta mesa pretende discutir a produção de novas ficções e o novo espaço conquistado no mercado brasileiro por seus autores. A partir da diversidade de estilos destes autores, que traços comuns os definiriam como uma mesma geração de ficcionistas? Será que podemos falar em uma "geração 90"? Quais seriam as características desta geração? Será que os autores percebem alguma unidade?

16h30
Violência e subjetividade no Brasil de hoje

Mediador: Samuel León (editor da Iluminuras)
Convidados: Eliane Robert de Moraes (prof. de Teoria Literária), José Arbex Jr. (jornalista), Marília Amorim (socióloga)

19h30
Pra quê poesia hoje?

Mediador: Leda Hühne (editora da Uapê)
Convidados: Cláudia Roquete Pinto, Donizete Galvão, Alberto Pucheu, Afonso Henriques Neto
Pauta: a poesia hoje, novos poetas e formas de poemas.

20h30m
Roda de leitura de poesias

Leitores: Olga Savary, Astrid Cabral, Gilberto Mendonça Teles

Performance
Arnaldo Antunes (a confirmar)

O ingresso custa R$ 2,00. Estudantes e professores pagam meia. Menores de 12 anos e maiores de 65 anos não pagam. A renda líquida do evento será usada na compra de livros das 56 editoras participantes. Os livros serão comprados com 50% de desconto e serão doados para as bibliotecas municipais, num acordo com a prefeitura do Rio, através da RioArte.

E boas leituras!

17.10.01

Livro, pra que te quero?
Fim do Livro, Fim dos Leitores?

Regina Zilberman
Editora Senac SP
130 páginas



Uma questão um tanto amarga que o advento da mídia eletrônica trouxe à baila nas últimas décadas – e que se tornou ainda mais presente e urgente com a Internet e a World Wide Web – é o futuro do livro. Com o aprimoramento cada vez maior de tecnologias de suporte eletrônico de leitura, o objeto material, feito de papel e tinta, estará próximo de seu fim? E, se estiver, isto significará uma evolução ou um retrocesso para a humanidade? A figura do leitor deixará de existir ou apenas sofrerá uma mutação, assumindo uma nova forma e um novo hábito?

Para responder a essas perguntas – ou formular novas questões – só mesmo uma pessoa apaixonada por livros e por leitura. Autora de diversos livros de crítica e historiografia literária, entre os quais A leitura rarefeita (Brasiliense, 1991) e A Formação da Leitura no Brasil (Ática, 1996), ambos escritos em co-autoria com Marisa Lajolo, a professora Regina Zilberman oferece sua contribuição a essa discussão com seu mais recente trabalho, Fim do Livro, Fim dos Leitores? Numa espécie de complemento aos dois livros supracitados, que traçam um histórico da produção literária no Brasil pela perspectiva do leitor e não do produtor, como queria Antonio Candido em Formação da literatura brasileira, este livro, o terceiro volume da Série Ponto Futuro, do SENAC-SP, empreende uma jornada de conhecimento do livro enquanto objeto material ao longo de sua história em nível global.

A formação da leitura no mundo?

Sem deixar de lado a literatura brasileira (como, por exemplo, demonstram as epígrafes que abrem cada capítulo, quase todas fragmentos de poemas de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, e um surpreendente e bem-vindo Herbert Vianna, com um trecho da letra de Mensagem de Amor), Regina Zilberman opta em Fim do Livro, Fim dos Leitores? por falar da importância da leitura para o homem no mundo – e das diferentes interpretações do significado do ato de ler ao longo da história, ora encarado como elemento de formação do indivíduo, ora como desagregador do caráter.

No capítulo Ler faz bem?, por exemplo, Regina faz uma análise social do livro em seus primórdios – no momento em que a figura do autor passa a ser destacada do corpo da narrativa, e a obra passa a ser encarada como ficção, não pertencente à esfera do real. A primeira grande obra nesse sentido é justamente a que critica o preconceito vigente contra a leitura: em Dom Quixote, Miguel de Cervantes satiriza a ignorância daqueles que se deixam levar pela leitura a ponto de serem por ela inteiramente transformados (como no caso dos protestantes, no momento em que a Bíblia passa a ser editada e mais disseminada em idioma laico ao invés do latim) sem deixar de criticar o patrulhamento dos poderes dominantes, como a Igreja Católica. Traçando essa crítica, ou mais precisamente, uma tentativa de criminalização da leitura, Regina vai até o Fedro, de Platão e sua preocupação com o fim da transmissão oral do conhecimento em detrimento do suporte material da escrita, que fixaria a tradição e eliminaria seu caráter religioso.

Regina traça um histórico da literatura que parece propor uma divisão – ainda que não seja explícita e nem radical – de autores em basicamente duas categorias: as testemunhas de seu tempo, que descrevem a realidade mas não tomam necessariamente partido (como Jane Austen, que em Razão e Sensibilidade exprime a crença de que os livros não são bons ou maus, mas sim os leitores) e os que efetivamente fazem uso de sua escrita para apontar mazelas, como Cervantes e Flaubert, com sua Madame Bovary, que talvez mais que o Quixote, seja o arquétipo por excelência do leitor que se deixa iludir, achando que pode transformar sua vida em romance.

Já no capítulo Ler Faz Mal?, ela inicia reproduzindo um poema de Drummond e outro de Olavo Bilac, em que ambos descrevem a sensação de se perder nos livros... e de neles se encontrar. Aqui, citando exemplos de escritores como Lima Barreto e Raul Pompéia (que compartilhavam com Bilac o fascínio por Júlio Verne), Regina mostra o papel estimulador da leitura, num tempo – após a Revolução Industrial – em que o ato de ler é sinônimo de incitamento da imaginação e de identificação do leitor com as personagens, já não como Quixote ou Bovary, mas como co-participantes do processo de criação do texto.

Aqui Regina faz uma intervenção com o pensamento dos teóricos Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, representantes da chamada estética da recepção, teoria literária elaborada nos anos 1960 que leva em consideração o leitor acima de tudo, pois, grosso modo, é ele quem reconstrói o texto a partir de sua leitura – o que vai de encontro à visão que permeou as teorias da literatura até então, como o estruturalismo, voltadas para o texto... e, como ressalta Regina citando Andreas Huyssen em After the Great Divide. Modernism, Mass Culture, Postmodernism (Indiana University Press, 1986), essa visão levou a uma divisão de fronteiras, isolando a literatura dos consumidores.

No capitulo final, O Fim do Livro, Regina aponta a possível problemática desta virada de milênio: a mídia interativa pode substituir efetivamente o livro? O consumidor da obra escrita dará lugar ao “nerd internauta, aventureiro que percorre até agora desconhecidos universos virtuais”? (p.105)

Regina procura não tomar partido nesta questão delicada, citando Roger Chartier como defensor da continuidade do livro independente da forma que venha a possuir (afinal, a substituição dos rolos pelo formato de códice, que evoluiu para o livro atual, não acabou com a leitura, muito pelo contrário) e contrapondo o otimismo dele com outra visão, a da necessidade da materialidade do livro. Contudo, parece claro que ela não compartilha do pretenso otimismo de Chartier, em especial quando afirma que “As mudanças decorrentes dos novos instrumentos de computação e multimídia afetam profundamente o processo de produção escrita e de leitura, que se torna, de um lado, mais solitário e menos dialógico, porque resultante da relação do sujeito com a máquina; de outro, porém, apresentam-se alternativas técnicas de manipulação colocadas ao alcance do recebedor, o usuário do mecanismo, a quem se faculta intervir no texto, driblando a proibição imposta pela noção de propriedade intelectual.” (p.116)

No entanto, ao apontar essa problemática Regina parece se esquecer - não deliberadamente, é preciso ressaltar – de alguns pontos, a saber: as novas tecnologias não fazem da escrita e da leitura processos mais solitários e menos dialógicos. A solidão do escritor diante da folha de papel na máquina de escrever (vamos nos lembrar da famosa definição de Garcia Márquez, de que escrever é o ofício mais solitário do mundo) é a mesma que ele sente diante da tela em branco de um editor de texto. E por que, por exemplo, um PC ou um Macintosh seriam mais frios que uma Remington ou uma Smith-Corona? Isto ainda parece um ranço (torno a dizer, não intencional) sintomático de um momento de transição entre tecnologias, semelhante às transições mapeadas por Chartier em seu A aventura do livro: do leitor ao navegador (Unesp, 1998) e comentadas pela própria autora.

É preciso lembrar que, assim como o uso da máquina de escrever não eliminou a escrita nem a leitura (e muito menos a qualidade da produção literária: Mark Twain foi o primeiro escritor de que se tem notícia a usar a máquina de escrever), o computador não deveria ser responsabilizado por uma mudança além das próprias possibilidades que ele proporciona, como a do hipertexto, abordada mais adiante no livro. Mas mesmo isso tem limites: o leitor só pode intervir no texto se o produtor desse texto, através do uso de ferramentas adequadas de software, assim o permitir. Caso contrário, a obra continuará tão fechada ao leitor quanto os livros em papel.

Mas Regina não acredita que o livro desapareça, não enquanto a lógica do capitalismo assim o ditar, e com isto concordamos – ainda que o conceito de obsolescência programada aventado por ela (p. 118) soe um tanto conspiratório, algo como a Mão Invisível do Mercado de que falava Marx, que de fato existe mas tem seus limites. De toda forma, o livro não tende a sofrer uma substituição rápida e definitiva: é mais provável que se dê o fenômeno que Pierre Lévy defende em seu livro Cibercultura (Editora 34): a articulação, ou seja, múltiplos meios convivendo simultaneamente por um tempo determinado, até que por fim haja uma substituição ou uma convergência e a criação de um caminho alternativo. Não só por forças de mercado, mas – e principalmente no caso do livro – por força também da aceitação ou não do público leitor.

E, no dia em que por fim acontecer a completa substituição, os tempos serão outros, mas o homem permanecerá homem, com todos os seus sonhos – que as transições tecnológicas de todas as eras (e elas foram muitas, desde a Idade do Bronze) jamais foram capazes de destruir. Independente da forma que tenha ou que venha a ter, o livro, como Otto Lara Resende dizia a respeito de sua Minas natal, está onde sempre esteve. Nos olhos e no coração do leitor.

16.10.01


Imperdoável atraso. A esta altura todo mundo já sabe, mas não custa repetir: o centésimo Prêmio Nobel de Literatura foi para o caribenho-indiano-inglês V.S.Naipaul, autor, entre outros, de Os Mímicos e Entre os Fiéis. A obra de Naipaul está sendo publicada pela Companhia das Letras. Aqui, um artigo do jornal inglês The Guardian a respeito. Naipaul mereceu o Nobel pela qualidade da sua escrita, mas há controvérsias: como definir um sujeito que rotula E.M. Forster de "homossexual safado" e Joyce de "ilegível"? (Ok, quanto a Joyce, também há controvérsias, mas mesmo assim...)

15.10.01

Livros recebidos after the feriadão: Império, de Michael Hardt e Antonio Negri, Os Delírios de Consumo de Becky Bloom, A Ilusão Vital, de Jean Baudrillard e o volume 3 da Obra Crítica de Julio Cortázar, os dois primeiros da Editora Record e os dois últimos da Civilização Brasileira, do saudoso Ênio Silveira, hoje um selo da Record. Império foi publicado no ano passado nos EUA e é uma leitura fundamental para se entender como foi que chegamos ao dia 11 de setembro - e talvez nos dê alguma resposta para sairmos dele vivos e sãos. Já A Ilusão Vital é mais uma bola fora de Baudrillard, que, juntamente com seu conterrâneo Paul Virilio, insiste em uma visão um tanto fundamentalista quanto à questão do simulacro, descendo o malho na clonagem e na Internet e preconizando o assassinato do Real em função de nossa rendição ao mundo virtual. Se você está aqui lendo este texto - e portanto tem uma intimidade razoável com a Internet - vai entender por que Baudrillard parece fazer uma imensa tempestade em um minúsculo copo d´água. Nem tudo o que o sociólogo francês diz é equivocado, entretanto: aguardem mais sobre ele e Virilio, em contraposição (mas não em oposição) a Pierre Lévy e sua proposta utópica telemática.

Becky Bloom é uma grande sacada da escritora e ex-jornalista de economia Sophie Kinsella, que escreveu o equivalente econômico de Bridget Jones. Não duvido que venha um filme por aí, mas enquanto isso fique com o livro, que é engraçadíssimo - porque verdadeiro. Atire a primeira pedra quem nunca teve delírios consumistas. Aguardem mais detalhes assim que eu consumir avidamente a Becky (no sentido literário, claro).

Por fim, o que dizer de Cortázar? Por ora, apenas ressaltar o excelente trabalho da Civilização em resgatar a obra completa do mestre argentino (ela tem republicado nos últimos dois anos toda a obra de Cortázar - faltam ainda Bestiário e Todos os Fogos o Fogo), e acabou de publicar agora o último volume de sua fenomenal Obra Crítica. Este terceiro volume cobre o período após a publicação de O Jogo da Amarelinha, em 1963, até 1984, ano de sua morte. O primeiro volume era dedicado inteiramente à sua Teoria do Túnel, o segundo a trabalhos críticos em geral antes de ...Amarelinha. Junto com O Fascínio das Palavras, livro de entrevistas publicado em 1991 pela José Olympio (e que, com a recente compra desta casa editorial pela Record, pode vir a ser republicado agora) é a oportunidade perfeita para conhecer o pensamento de um dos mais fantásticos (em vários sentidos) autores do século XX. Em breve, um dossiê especial sobre Julio Cortázar. Obrigado a Sergio França, da Record, pelo envio dos livros.

14.10.01


Livros recebidos antes do feriadão: Alta Fidelidade e Um Grande Garoto, ambos de Nick Hornby. Há algum tempo fiz um comentário ligeiro sobre esse escritor, que pode ter parecido um tanto deletério. Nada mais longe da verdade: aguardem porque em breve vem um dossiê Hornby por aí. Meus agradecimentos a Andréa, da Rocco, pelo envio.

Da Vozes, Lais de Maria de França, um texto do século XII com tradução de Antonio L. Furtado e prefácio de Marina Colasanti. Uma das primeiras vozes femininas na literatura francesa medieval, Maria de França constrói um texto à base de poemas curtos narrativos semelhante ao que fez Chrétien de Troyes na mesma época com seu Guilherme de Inglaterra (publicado aqui em 1997 pela Lacerda Editores). Aguardem comentário em alguns dias. Obrigado a Mirela pelo envio.

Amanhã, uma crítica sobre um excelente livro de Regina Zilberman sobre o fim da leitura como nós a conhecemos. Aguardem, vocês não perdem por esperar.