Os bons e novos tempos
Os Contos do Fim do Mundo
Mário Melillo
AP & MM
118 páginas
Hamlet e Macbeth nasceram em Muriaé
Remo Mannarino
Alpha Centauri
201 páginas
Dois autores independentes com uma grande diferença de idade e de estilo mas algo em comum: o bom humor. Em suas estréias na ficção, o mineiro Mário Melillo e o carioca Remo Mannarino dão a cara a tapa e saem sem um arranhão, com livros que falam de amor e morte, mas sem perder a esperança e o jogo de cintura.
Em
Os contos do fim do mundo, Melillo viaja entre a crônica de costumes e o delírio psicodélico, sempre com um olho crítico sobre a realidade. Melillo morou em Londres e Miami, e não é por outro motivo que em várias de suas histórias desfilam ingleses de chapéu-coco e chicano-americanos, quase todos funcionários medíocres ou aristocratas falidos, que não faltam nem no Reino Unido nem nas Minas Gerais. Outro traço comum da maioria das narrativas é o excessivo rigor da forma: seja em
A Confissão Fracassada, onde um milionário venezuelano tenta se redimir com sua mulher na hora da morte, ou no conjunto de contos que formam a parte três do livro, Dos amores mortos, em que o moribundo bon-vivant Betinho Boaventura relembra os amores que se foram e o dinheiro que acabou, as narrativas são rígidas, quase engessadas... como os personagens, de quem Melillo não tem pena: ora os ridiculariza, ora simplesmente os aniquila. Mas eles não saem indiferentes. Nem você, leitor.
Mas o destaque absoluto do primeiro livro deste itabirense (não itabirano, como Drummond, mas de Itabirito, cidade vizinha a Ouro Preto) de 35 anos vai para
Os anos 70 eram uma festa, em que ele rompe inteiramente com o próprio machadismo e faz uma bela homenagem a José Agrippino de Paula e seu recém-relançado
Panamérica. Só este conto vale o livro.
Já Remo Mannarino não é iniciante: autor de
Introdução à engenharia econômica (Campus, 1991), ele se joga de cabeça sem rede de proteção no mundo da literatura independente com
Hamlet e Macbeth nasceram em Muriaé. Em uma sucessão de contos ora bizarros ora sérios, este carioca de 63 anos mostra que não tem nostalgia da Bossa Nova, destilando mordacidade e acidez, em narrativas de ritmo alucinante, que vão fazer você rir muito. De nervoso. Destaque para
Mulher enxugando-se e
Rosas vermelhas para Rita Hayworth.
O interessante é que não há nada de pós-moderno em Melillo e Mannarino, pelo contrário: a maior preocupação de ambos parece ser simplesmente a de contar uma história. O que pode parecer simples, mas não é fácil. No entanto, eles tiram isso de letra indo na contramão do que se tenta fazer hoje em literatura aqui no Brasil (com uma incrível legião de imitadores potenciais de Nick "Alta Fidelidade" Hornby, mas que não chegam aos pés do
role model), bebendo de forma às vezes camuflada, às vezes quase explícita, na fonte de autores bem mais antigos. Melillo parece se inspirar no Machado de Assis de contos como
O Segredo do Bonzo e até mesmo no esquecido Coelho Netto, mas com uma incrível pitada de Luís Fernando Veríssimo. Já Mannarino parece ser fã das comédias brejeiras de Silveira Sampaio ao falar de encontros amorosos às escondidas, como em
Meu encontro com Pascale. Mas quem ler o conto vai ver algo muito diferente das situações burlescas de peças como
A garçonnière de meu marido.
Se aqui ficou a impressão de que Melillo e Mannarino são copiadores do estilo alheio, mea culpa, porque não é nada disso:
Os contos do fim do mundo e
Hamlet e Macbeth nasceram em Muriaé têm em comum a forma convencional e o humor como ponto de partida – mas um humor muitas vezes negro e ácido.
Comme il faut neste novo século.
Os dois livros passaram quase despercebidos no ano passado, pelo menos no Rio de Janeiro. Não fosse pela disposição de algumas livrarias (respectivamente a Livraria da Travessa e a Argumento, ambas no Rio) e talvez não chegassem até nós. Felizmente chegaram.
Bagaginha literária
Domingo agora tem viagem: conheça o conteúdo de minha fiel escudeira, a bolsa:
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Foundation and Earth, Isaac Asimov – o quinto e último volume das histórias da Fundação. Mais que uma saga literária, ler as histórias de Asimov é uma saga de leitura. Na volta eu explico.
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Inglaterra, Inglaterra, Julian Barnes – Um dos livros mais recentes do autor de O Papagaio de Flaubert. Nada como o humor inglês: os fãs de Nick Hornby agora vão saber em quem ele se inspira.
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Os outros 90%, Robert Cooper – Nem só de lazer vive o homem: este livro é para uma resenha encomendada, mas tem jeito de ser bom. Cooper é autor de Inteligência emocional na empresa. Se recebeu o aval de Daniel Goleman (que é injustamente sacaneado cá por estas plagas), então vale. Confesso que o subtítulo me atrai: como desbloquear seu vasto e não-aproveitado potencial no trabalho e na vida. Quem não quer melhorar de situação?
Qual é a Deles?
Império, de Antonio Negri e Michael Hardt (Record, 501p), uma análise lúcida e abrangente da política contemporânea, que se estende ao modo como ela influencia a vida quotidiana e até molda a maneira como percebemos a realidade.
Lúcio Manfredi, editor do blog
O Franco-Atirador.